Quem diria que um passeio de navio poderia virar um pesadelo? Com certeza Judy
não. Até poucas horas estava assistindo um dos entretenimentos
do cruzeiro com seus pais e sua irmã mais nova. Porém, com a virada
do tempo, estava no meio de um naufrágio.
“Estamos com
problemas mecânicos”
“Algo nos atingiu.”
Eles diziam várias
coisas, mas o fato era que todos corriam desesperados por todos os
lados em busca de um lugar seguro, mas já não havia. A única opção
era pegar um dos barcos e esperar que eles não virassem com o
tamanho das ondas.
O capitão havia dito
a pouco que estavam próximos da Fossa das Marianas. Não que isso
tivesse alguma relevância para ela naquele momento.
Seus pais levavam ela e sua irmãzinha pelo braço para um dos barco salva-vidas e entraram às pressas. No entanto, quando foram descê-lo um dos lados
desceu demais e muito rápido. Judy só teve tempo de ver sua irmã
caindo e desaparecer na água. Sem pensar duas vezes ela se jogou no
meio do caos das ondas e procurou pela irmã.
O que ela viu ao
mergulhar foram destroços indo para o fundo. Os relâmpagos davam a
luminosidade esporádica que precisava. O silêncio trouxe uma paz e
um relaxamento em seus pensamentos.
A superfície
turbulenta e os gritos das pessoas pareciam de outro mundo.
Era exatamente essa
sensação que teve. De que estava em outro domínio.
De repente viu mais
pra frente uma criança sendo arrastada pela correnteza para o fundo
e nadou como pode até ela. Nunca pensara que teria forças nos
braços como naquele momento. Na escola Judy jogava vôlei, mas não
era muito fã de esportes. Com seus 16 anos ela era fã de um cantor
britânico e tinha o sonho de ser modista, usando a irmã, Anna, como
modelo.
Essas lembranças
davam essa força, quase sobrenatural, para a adolescente. Amava a
irmã. Não poderia perdê-la assim.
Com essa determinação
ela acabou por alcançar Anna, que estava já inconsciente. Sentiu um
alívio quando a irmã estava em seus braços. Começou a nadar para a
superfície quando percebeu que se afundara demais e seu fôlego
estava por um tris. A urgência que seu corpo asseava pelo ar quase
fizeram Judy perder o controle e se desesperar, mas ela tinha algo
precioso nos braços. Então a visão de seu pai nadando em sua
direção lhe deu esperanças, mas logo a razão lhe caiu e soube
que teria que fazer uma escolha, pois não teria forças para
alcançá-lo. A correnteza puxava as duas para a direção oposta do
pai.
Nadou com todas as
suas forças para se aproximar do pai e quando pensou que não
aguentaria mais ele segurou sua mão. Uma sensação triunfante se fez
presente. Parecia que tudo daria certo.
Ele tomou Anna em uma
das mãos e Judy segurou como pode nele, enquanto sentia subir com os
esforços do pai. Mas o pai foi ficando cansado. A mais nova
desacordada estava dificultando que fossem muito adiante e aos
poucos não estavam mais subindo e sim lutando para não descerem.
Judy notou alguns corpos flutuando no meio dos destroços do
navio. Tragédias não escolhiam idade, classe social e nem cor.
O pai não era muito
ágil e fazia anos que não nadava tanto. Sabia que era por elas que
ele estava ali. Então tomou a decisão de sua vida. Escolheu salvar
Anna.
Ela se soltou do pai e
o empurrou para cima. Ele não compreendeu o que ela estava fazendo,
mas logo se deu conta tentou voltar para buscá-la. Judy fez um
sinal negativo com a cabeça e por fim ele entendeu que não poderia
salvar as duas. Sentiu-se partir em pedaços a cada braçada que dava
em direção a superfície e longe de Judy. Já a adolescente
sentiu-se feliz e abraçou o silêncio.
“Será que eu verei
um tubarão antes de morrer? Algum dia irão achar o meu corpo ou ele
será devorado por algum animal? Queria que minha família soubesse
que eu estou em paz com isso. Meu corpo está doendo, pois a água
começa a invadir os meus pulmões, mas eu não me arrependo de nada.
Quero que eles sejam felizes.”
Passaram-se alguns
minutos desde que ela entrara na água e agora nem os relâmpagos
mais ela conseguia ver. A dor estava desaparecendo. A morte trazia
consigo uma sabedoria anciã.
“Quantas pessoas
morreram no mundo neste mesmo mar? Será que suas almas ainda estão
aqui? Será que o mar também as puxam consigo e não lhes dá a
liberdade do espírito? Mas eu sinto uma tranquilidade fria se
apoderar de mim e a vida está tão distante agora. Começo a ficar
em dúvida se realmente algum dia eu existi. Se Anna, papai, mamãe e
tantos outros realmente existiram ou se sou apenas a voz dos
pensamentos de alguém, pois já não sinto mais o meu corpo. Já não
lembro mais como era ter um. Nem a dor e nem medo. Só o silêncio.”
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